2011/02/20

Domingo na Alvorada 39

Chove suave. O cheiro é de um azul melancólico. Melancolia e esperança no chão e no peito. Um som do Caetano me diz umas coisas de antigamente cada vez mais atual. Tudo é divino e maravilhoso. Eu sentado frente ao computador buscando informações e formação. Sem ressaca e sem culpa. Sem tédio e sem pressa. Lá fora tem um frio pálido. Em Teresina, cidade do Sol maior, quando chove perfuma o ar um cheiro cálido, terno, tenro, melancólico e suave. Algo feito a esperança. Algo que nasce e irrompe no meio da escuridão e das perturbações.

O quarto está fechado. A chuva já foi. O cheiro é saudade. A luz do sol invade alguma fresta e lembra afirmativamente que este céu é dele, amarelo vivo mais que ouro puro. O astro rei tem seu reinado no céu desta cidade. As árvores são casas de sombras, boas de uma conversa e uma cerveja. Não para embriagar, mas refrescar-se. Lá fora a rua continua bela, tem gentes nas portas, cachorro passeando sem rumo, algum imbecil passa em velocidade, outro aumenta o som além da conta. Algum bebum toma um trago na quitanda da quadra e cospe no chão. Passam meninas bonitas esnobando os gracejos, mas gostando de sentirem-se desejadas, mesmo que seja por um velho bêbado impotente que só se excita em palavras.

Passo e imagino como deve ser o interior das casas que eu não freqüento mais. Gosto de olhar minha rua de madruga. É ainda mais bela. Silente, bruxulenta e brilhante, amarelada, com os sons da madruga e meus vizinhos todos dormindo. Gosto mais dos meus vizinhos quando estão dormindo. Olho e vejo todas as gerações passando em minhas vistas. Fantasmas alegres que jogam bola numa rua pedregosa, uma vizinha bonita que faz a alegria dos garotos que descobrem ali escondidos as delícias do corpo feminino. Os adultos que viraram defunto. Os bebuns que viraram lenda. Os bons vizinhos que foram embora e os maus que vieram.

O maluco das antigas virou um defunto vivo, um fantasma que pede comida e não assusta ninguém. Incomoda, mas não assusta. Ele parece o ciclo de gerações de minha rua. As épocas de glórias – se estas tiverem existido – e os momentos de tristeza. Mas é sempre assim, alguém chora de um lado e outro festeja do outro. Minha rua não é apenas um pedaço do mundo, ela é um micro-mundo próprio. Tem criança, velho, bichinha e puta de luxo. Tem cretinos e pessoas verdadeiramente admiráveis. É feito o mundo. Assim, cheio de contradições.

De madruga enquanto me perco em pensamentos saudosistas me aparece o atemporal vigia, que está com seu chapéu e facão desde minha infância. Ele vem dobrando a esquina antes com o som do apito, depois aparece. Carrega nas costas um tempo próprio, só dele. Um tempo que não é de agora, é de bem antes. Ele é a maior saudade viva que anda por estas calçadas. Apita, dá boa noite, faz uma previsão do futebol, diz que está tudo tranqüilo, apita novamente e segue noite adentro, com seu tempo carcomido.

Eu canso do vazio da noite e vou me deitar, repousar a cabeça e as lembranças. Durmo e rua continua acordada, cheia de vazio. Cheio de casas cheias. Uma imensidão de saudades que amanhã vão acordar e construir novas histórias cotidianas. É Alvorada. É um numero. É uma imensidão de histórias, de amores e amarguras. Umas cervejas e um bolero antigo de um vizinho que bebe e enfeita o domingo. Eu observo e escrevo. É assim, tudo normal e cheio de mistérios. Estes sim, sempre hão de pintar por aí, mesmo sendo igualmente domingo.

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